quarta-feira, 18 de junho de 2008

Eu morava num lugar muito bonito, tudo era como eu queria, e o que eu queria eu achava que era bonito. Não entendia muito, mas gostava daquele lugar e das coisas que me diziam quando eu estava lá. Convivi com pessoas que me faziam sentir que eu era somente uma parte muito pequena, mas não menos importante, de tudo o que ainda estaria por vir. Elas me contavam estórias e nessas estórias eu era um personagem principal, me sentia feliz com isso, embora não entendesse muito. Aquelas pessoas me eram assim... tão minhas, e me faziam tão bem.. Mas elas não tinham nomes, nem endereços, nem ao menos profissão. Se eram ricas ou se eram pobres, nunca soube. Mas elas tinham tudo o que eu precisava ter e de quem eu precisava saber. Por muito tempo foi assim. Aliás, tempo foi algo que não entendi naquele momento, mas que, por etéreo, passou...
De repente me vejo com outras pessoas, todas elas tão amáveis e ao mesmo tempo tão assustadas, e eu também me sinto assustada, mas elas me dizem coisas, que embora ainda não entenda, são coisas me fazem bem. Me sinto tão pequenininha e as vezes tão importante, que já não sei quem sou. O que é ser importante num lugar tão grande, sendo assim tão pequenininha??
Algumas vezes eu choro, e choro bastante, então sinto um afago e algumas palavras que não entendo, mas sinto o calor dum carinho igual ao que tinha antes e um barulhinho que já conheço há muito tempo. Então continuo a me sentir bem! Logo minha vida se transforma e tudo é uma eterna descoberta, meu Deus era tudo tão assim!?!?!!! Mas aos poucos percebo pelos olhos dos outros um pequeno equivoco chamado: tristeza! E por mais que eu diga ou mesmo sorria, que eu pule ou festeje, eles às vezes não vêem...
Eles não vêem...
O que me fez estar aqui? sair de um lugar tão bonito onde tudo era como eu queria e tudo era tão bom?!!!
Sei que nada é por acaso e que é preciso passar por todos os momentos pra saber contá-los. Vi como as coisas se complicam quando o amor se mistura com um nome, uma idade ou mesmo profissão. Dessas coisas que eu disse, nenhuma delas eu sei, todas foram um alerta daquele povo com quem estive, antes de estar por aqui. E eu achei que não existiam coisas assim... E aos poucos percebo o que é viver por aqui, mas meu mundinho mesmo assim é bom!
E o tempo? Ah!! Esse aos poucos vou entendendo... Dele ganhei uma companheira e já faz tempo que espero por um momento nosso!
E ele chegou...
Então do alto dos meus dois anos, cheguei bem pertinho do ouvidinho da minha irmãzinha recém nascida e perguntei:
-E daí ,me conta como tá o pessoal lá!!!????

Fernanda Irala Gomes

Santana e sua gata Iguaçu

Santana era uma índia velha lá dos fundos de vila Florinda, distrito desse Rio Grande, vivia muito sozinha, tinha alguns parentes distantes, mas prezava muito sua quietude. Embora nem tão quieta fosse, pois vivia de prosa com suas plantas e a bicharada do mato.Santana era assim: meio bicho do mato e uma igual entre eles.
Numa tarde depois de um almoço de carreteiro de ovelha com bolinho de couve frito em banha de porco castrado em lua errada, a veia sentiu uma reviravolta no bucho.
“-Alá pucha! Me passei na bóia!” e correu pra os seus jujedos. Se garantiu com algumas ramas de carqueijinha, e foi quando percebeu que já estava desfalcada sua farmácia natural, “-Bueno!” disse ela, “Já esta na hora de ir ao mato recolher meus jujos, se não como diz o outro, vou ficar num mato sem cachorro!”
Então lá se foi Santana a procurar suas ervas medicinais. Deixou a chaleira em cima do fogão pra aquentar a água pra o mate pra quando ela voltasse. Pegou uma sacola de matéria e se foi ao mato.
O sol estava alto quando Santana entrou no capão, mas não se apercebeu do rochedo de nuvens que vinha do chovedor.
E a véia se paro tranqüilamente a colher sua jujada, e cantarolava algo assim:
-Urtiga, pra problema nos “rin”. Angico: pra tosse. Pras varizes: erva de bicho. Cavalinha: pra problema nos “osso”. Pras noite de mau sono: capin-cidró. Furúnculo: malva. Pra os males da bexiga: também servia a urtiga. Pras palpitação: camomila...
E assim se foi Santana mato a dentro sem se dar conta do tempo. E numas dessas a “veia” furunga aqui remexe ali, fuça num tronco de angico velho onde sestiava uma jaguatirica e num mesmo “upa” a “veia” levo um “cagaço”e a gata outro, e a bicha veia largo o mato e ganhou o campo, mas lá fora era água que São Pedro mandava e nem de longe Santana enxergou a gata do mato.
Então já recomposta do susto, se deu por satisfeita com o que tinha em seu saco de matéria, e sem se assustar muito com a chuva, fechou bem sua sacola de matéria e de baixo d’agua se foi pra casa. Já que Santana estava bem acostumada com os humores de São Pedro , e naquela tarde particularmente o “home veio tava enfezado”!
Mas qual foi sua surpresa quando Santana chegou em casa e o mate já estava cevado e a jaguatirica sestiando no quentinho ao lado do fogão.
Santana nem se deu o trabalho de pensar no acontecido, sorveu o mate e pensou alto:
- Mah,que belo mate não Iguaçu?!!
E a gata “veia” só deu uma ronronada!
E assim se fez uma nova velha amizade!



Fernanda Irala Gomes